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As inverdades para atacar a Justiça do Trabalho

2 dez 2019 | Categoria Geral | Enviado por | 0 Comentários

Os argumentos normalmente utilizados na defesa da
extinção da Justiça do Trabalho não são verdadeiros
ou são impertinentes
Fonte: Carta Maior
Os argumentos normalmente utilizados na defesa da extinção da
Justiça do Trabalho não são verdadeiros ou são impertinentes.
Senão vejamos.

1. O custo dos direitos trabalhistas no Brasil

Os argumentos de que a legislação trabalhista no Brasil é
antiquada, rígida, complexa e que gera custos excessivos aos
empregadores a ponto de inviabilizar a atividade econômica
foram utilizados para promover uma profunda e intensa reforma
trabalhista em 2017 e, de fato, são os mesmos que, desde a
década de 60, impulsionaram inúmeras alterações regressivas de
direitos na legislação trabalhista, com maior intensidade ainda
nos anos 90, quando, inclusive, também se cogitou acabar com
a Justiça do Trabalho.

Os efeitos dessas alterações, no entanto, sempre foram os
mesmos: nenhum benefício na geração de empregos; aumento
da precariedade e, consequentemente, aumento dos acidentes de
trabalho e do sofrimento no ambiente de trabalho; redução da
participação da massa salarial no Produto Interno Bruto; maior

concentração de renda, como, inclusive, já se verifica em um
ano de vigência da reforma trabalhista.

No que se refere à última “reforma”, a redução de direitos e o
impedimento de acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho,
por ela promovidas, não beneficiaram a economia, não
diminuíram o desemprego, ampliaram a informalidade,
majoraram o sofrimento no trabalho e o número de acidentes,
provocando maior custo social, e, com isso, reduziram a
arrecadação tributária e previdenciária, ampliando, por
conseguinte, o suposto déficit da Previdência [ii]  e o déficit
público em geral [iii] .

De um modo geral, o desmonte social já promoveu o aumento
da miséria [iv]  e, consequentemente, o aumento da desigualdade
social [v] , sendo que, precisamente, já se chegou, aqui, no último
período, ao resultado de que a renda dos 1% mais ricos foi 36
vezes superior à média dos mais pobres, sendo que nem mesmo
esse acúmulo fica no país, já que os ricos aumentaram, de
forma recorde, o volume de suas remessas ao exterior [vi] .

Beira a irresponsabilidade, portanto, diante desse quadro,
preconizar o aprofundamento da “reforma”, pois isso
representa, simplesmente, querer experimentar mais do mesmo,
provocando maiores problemas sociais e econômicos.

2. O real propósito de se pretender extinguir a Justiça do
Trabalho

O tema da extinção da Justiça do Trabalho está diretamente
ligado a esse propósito de não se querer admitir que a

“reforma” trabalhista serviu apenas para prejudicar a vida dos
trabalhadores, aumentando o poder e o ganho das grandes
empresas, ou, ao menos, no campo mais restrito do debate
técnico jurídico, que a Lei n. 13.467/17 não atendeu aos
pressupostos democráticos para a sua elaboração e aprovação,
que, para isso, foi feita de forma apressada e atabalhoada,
extremamente mal redigida, não estando apta, portanto, a
conferir segurança jurídica a ninguém, também porque fere
princípios e institutos jurídicos trabalhistas, preceitos
constitucionais e normas internacionais ligadas aos Direitos
Humanos.

Então, para se safar da responsabilidade histórica com relação
aos problemas gerados pela “reforma”, tenta-se criar o
convencimento de que os tais “efeitos positivos” imaginados
(se é que algum dia o foram) não se verificaram por culpa dos
juízes do trabalho que teriam, segundo insistem em dizer, se
recusado a aplicar a “reforma”.

Em 13 de dezembro de 2018, a Confederação Nacional dos
Transportes requereu, publicamente, ao Presidente eleito que
promovesse o fim da Justiça do Trabalho, sob o argumento
falacioso de que os juízes do trabalho estavam se recusando a
aplicar os dispositivos da reforma e que isso estaria impedindo
a geração de empregos [vii] .

A tese é falaciosa porque praticamente todos os processos
julgados pela Justiça do Trabalho no ano de 2018 se referiram
a situações fáticas vivenciadas antes de 11 de novembro de
2017, início da vigência da Lei n. 13.467/17. Além disso, os
dois maiores objetivos da “reforma”, na perspectiva de seus

autores, se produziram automaticamente. No plano processual
o efeito que se produziu, mesmo contra o entendimento
prevalecente da magistratura trabalhista com relação à
aplicação dos honorários advocatícios e periciais, foi
exatamente o pretendido pela “reforma”, qual seja, uma
redução do número de reclamações trabalhistas que atingiu,
após um ano, o patamar de quase 40% [viii] . No campo do
Direito Coletivo, se impôs um sufocamento econômico das
organizações sindicais, favorecendo ao advento de uma
regulação normativa regressiva de direitos e,
consequentemente, de custos de produção, como destacado
acima [ix]   [x] .

3. O alto número de ações

De fato, mais de 40% das ações movidas perante a Justiça do
Trabalho dizem respeito a verbas rescisórias [xi] . Não são,
portanto, grandes teses jurídicas e sim, meramente, a busca de
direitos básicos, grotescamente desrespeitados.

Esse dado afasta, por completo, também, a ideia (inventada
sem qualquer parâmetro) de que existe uma fábrica de
reclamações trabalhistas no Brasil. Bem ao contrário, o que se
verifica é um intenso, histórico e renitente descumprimento
deliberado e reiterado da legislação trabalhista. Verifique-se
que das 3,9 milhões de demandas trabalhistas ajuizadas no
Brasil em 2016, apenas 7% foram julgadas totalmente
improcedentes.

Contraria, igualmente, a tese, que atinge a dignidade da
advocacia trabalhista como um todo, da existência de uma

litigância sistematicamente abusiva por parte dos reclamantes.
A insegurança jurídica a que são submetidos os trabalhadores
estimula, isto sim, uma política de rotatividade da mão de obra,
que se utiliza para evitar acúmulos de conquistas econômicas e
jurídicas dos trabalhadores e para desestimular os vínculos
sindicais. Veja-se que de 2013 a 2015 houve no Brasil
74.836.000 rescisões de contratos formais de trabalho e, no
mesmo período, o número de reclamações não chegou a 10%
desse total [xii] .

Além disso, como destaca a Nota da ABRAT, Associação
Brasileira de Advogados Trabalhistas, “a quantidade de
brasileiros que trabalham sem carteira assinada subiu 498 mil
em um trimestre, batendo um recorde de 11,7 milhões de
brasileiros nessa situação. Se há uma quantitativo hoje de 11,7
milhões de brasileiros trabalhando na ilicitude, mal expressa
na palavra informalidade, não há protecionismo e sim um claro
demonstrativo da cultura de não pagamento de direitos
trabalhistas, o que deverá ser obviamente submetido à Justiça
do Trabalho, para o cumprimento de sua primordial função que
é a de contribuir para a desmercantilização do trabalho
humano” [xiii] .

Um aprofundamento, portanto, só serviria para potencializar
os problemas sociais e econômicos já verificados com o
advento da “reforma”, o que representa, em última análise,
uma vontade, talvez inconsciente, de querer experimentar a
barbárie ou, talvez, de abrir espaço, conscientemente, ao
estado policial. Vale verificar que, com a extinção do
Ministério do Trabalho, os registros sindicais foram alocados

no Ministério da Justiça e se pretende que seja coordenado por
um delegado da Polícia Federal [xiv]

4. Os exclusivismos da Justiça do Trabalho

a) A Jabuticaba

Como explicam Rodrigo Carelli e Guilherme Guimarães
Feliciano, uma estrutura Judiciária específica para questões
trabalhistas existe, com modalidades diversas, em vários
países [xv] .

Sobre a quantidade de processos, chega a ser risível o
argumento de que o Brasil possui mais processos trabalhistas
que o resto do mundo, que decorre de uma fala do Ministro do
STF, Luís Roberto Barroso [xvi]  e que foi repetida no relatório
da “reforma” trabalhista pelo Senador Ricardo Ferraço.
Segundo o Ministro, o Brasil teria 98% das reclamações de
todo o mundo.

É interessante que Ferraço cita Barroso e Barroso, segundo se
diz, teve como fonte uma entrevista do empresário Flávio
Rocha, mas este, primeiro, não disse precisamente isso e sim
que o Brasil teria mais reclamações que todos os demais países
somados, e, segundo, não esclarece de onde retirou tal
informação [xvii] .

Os dados, de todo modo, desmentem o argumento. Como
informa Rodrigo Carelli, “Em 2015, o Brasil teve 2.619.867
casos novos na Justiça do Trabalho. No mesmo ano, a França

teve 184.196 novos casos trabalhistas, a Alemanha teve
361.816 ações e, somente a Espanha, 1.669.083 casos” [xviii] .

Sobre a comparação com os Estados Unidos, sempre utilizada,
é esclarecedora a análise de Cássio Casagrande, especialista
no assunto, à qual se remete o leitor [xix] .

Em alguns aspectos, a regulação norte-americana, aliás, está
bem à frente da brasileira. A cidade de Nova Iorque, por
exemplo, em julho de 2018, limitou o número de carros que
podem ser licenciados para prestar serviços à UBER [xx]  e, em
dezembro de 2018, fixou um salário mínimo obrigatório para
os motoristas de UBER [xxi] .

b) O custo da Justiça do Trabalho

Sobre o aspecto do custo, o que conduz a investida sobre a
Justiça do Trabalho é a fala de Nelson Marchezan Jr. proferida
em novembro de 2016. Por seu raciocínio lógico, se a Justiça
do Trabalho tem um custo de 17 bilhões e se a Justiça do
Trabalho entregou 8 bilhões aos trabalhadores (em 2015), o
governo gastaria melhor esse dinheiro se entregasse na mão
dos trabalhadores o dobro do que pediram nos processos.

Em primeiro lugar, o que a Justiça entrega aos trabalhadores é
o resultado de processos de pedidos julgados procedentes, aos
quais se chegam após o transcurso do contraditório. Então, o
que se entrega, estatisticamente, é muito menos do que foi
pedido, ainda mais considerando o dado de que o percentual
das ações julgadas totalmente procedentes gira em torno de 5%
do total das reclamações. Além disso, se bastasse a todo

trabalhador formular um pedido para que recebesse do Estado
o valor pedido os números não seriam esses e nem dá para
imaginar o que seria.

A propósito dos custos da Justiça, debate na verdade
completamente impertinente porque o Poder Judiciário não é
uma instituição que deve dar lucro e sim fazer valer a ordem
jurídica, nem mesmo os números apresentados são reais.

Como verificado no relatório da Justiça em números, em 2015,
o custo total da Justiça do Trabalho foi de R$ 17,1 bilhões e
valor total distribuído nos processos trabalhistas chegou a R$
17,4 bilhões, fora a arrecadação aos cofres públicos (de
tributos, custas e emolumentos), que foi da ordem de R$ 2,8
bilhões.

Em 2016, a Justiça do Trabalho arrecadou para a União o
montante de R$ 3.276.651.454,37, pagou aos reclamantes R$
24.358.563.331,43 (30,5% a mais que em 2015) e o total das
despesas se manteve em R$ 17.562.413.919,13. Já em 2017, a
arrecadação de custas, emolumentos e tributos aumentou 6,5%
em relação a 2016, totalizando R$ 3.588.477.056,26; os valores
pagos aos reclamantes atingiram a cifra de R$
27.082.593.692,57 e a despesa variou para R$
19.746.742.664,13.

Ainda tratando de números, no aspecto que pode ter alguma
relevância administrativa, a Justiça do Trabalho é a mais
eficiente entre os ramos do Judiciário do ponto de vista da
celeridade e da quantidade de processos encerrados, sendo
que, concretamente, é a que tem a menor “taxa de

congestionamento”. Em 2017, segundo dados do Relatório
Geral da Justiça do Trabalho, foram julgados 4.287.952
processos (99,4% do total recebido). Além disso, é a mais
informatizada.

Em suma, é a mais rápida, a mais produtiva e a mais moderna,
conforme pode ser atestado nos relatórios da Justiça em
números do CNJ.

De todo modo, esse é um grande desvio de conversa, pois a
Justiça do Trabalho, como a estrutura do Poder Judiciário em
geral, não foi criada para dar lucro. Sua prestação de serviço
deve ser avaliada fora desse parâmetro, como, ademais, se
avaliam as Universidades, a Polícia, o Exército, o Parlamento,
como argumenta retoricamente Guilherme Guimarães
Feliciano [xxii] .

5. Conclusão

Também pela percepção de todas essas inverdades, a defesa da
Justiça do Trabalho está atraindo a atenção de muitas
instituições democráticas. Foi assim que se formou grande
Movimento Nacional em Defesa da Justiça do Trabalho, que
começou com um abaixo-assinado que tinha, em 22/01/19, mais
de 116.000 assinaturas [xxiii] , e que gerou vários atos no dia
21/01/19, em diversas cidades, e que terá continuidade nos dias
28/01/19, em Campinas; e 05/02/19, em Brasília.

A Justiça do Trabalho, a advocacia trabalhista, o Ministério
Público do Trabalho e a auditoria fiscal do trabalho têm
intensa e relevante ficha de prestação de serviços à sociedade

brasileira, sobretudo por darem voz aos que trabalham e por
escutá-los, para o fim de fazerem valer os direitos que lhes
foram legal e constitucionalmente assegurados.

Eliminar essas instituições, ainda mais com inverdades,
revisionismo histórico e inversão de valores, representaria,
além de enorme retrocesso político e jurídico, grave
aprofundamento do fosso social, econômico e cultural
brasileiro.

Jorge Luiz Souto Maior é Professor da Faculdade de Direito

da USP.  Desembargador do Trabalho da 15ª Região